A arte pode ser essencial para nutrir a saúde mental das mulheres negras ao permitir a expressão de sentimentos diversos relacionados à vida e intimidade feminina. Além disso, o potencial da arte de se conectar às pessoas, seja de maneira individual ou coletivamente, faz com que cada mulher possa fortalecer a sua identidade particular e, também, o seu pertencimento a um grupo social.
“Acreditamos que a arte é instrumento importante de saúde, mental e física. A arte dá voz, expressa, questiona, afeta, emociona”, diz Letícia Silva, psicóloga que, recentemente, realizou uma atividade na Casa PretaHub São Paulo onde debateu a sobrecarga das mulheres na nossa sociedade e o uso da arte como autocuidado mental. Ela menciona a importância das ideias sobre a arte no texto Poesia não é luxo, de Audre Lorde (1934-1992):
“Para mulheres, então, poesia não é um luxo. Ela é uma necessidade vital de nossa existência. Ela forma a qualidade da luz dentro da qual predizemos nossas esperanças e sonhos em direção a sobrevivência e mudança, primeiro feita em linguagem, depois em ideia, então em ação mais tocável. Poesia é a maneira com que ajudamos a dar nome ao inominado, para que possa ser pensado.”
Segundo ela, quando escrevemos ou produzimos arte, estamos entrando em contato conosco e com nossas intimidades, vivências, experiências (individuais e coletivas), e também compartilhando e nos conectando com outras pessoas, produzindo sensações e percepções distintas, deixando marcas e afetos no mundo.
Arte, saúde feminina e ancestralidade
Por séculos, o universo artístico privilegiou trabalhos realizados por homens, afastando intencionalmente tanto as mulheres artistas quanto o público feminino consumidor de arte. Ainda atualmente, há muito a se avançar. “O coletivo Guerrila Girls em 2017 questionou: ‘as mulheres precisam estar nuas para entrar no Museu de Arte de São Paulo? Apenas 6% dos artistas do acervo em exposição são mulheres, mas 60% dos nus são femininos’”, relembra Letícia.
A ocupação delas de espaços nesse meio ocorre depois de muita luta e do entendimento de que as mulheres também podem se alimentar da arte. “A arte corrobora para a saúde mental e física feminina de muitas formas. É preciso levar em consideração o que cada mulher acredita que seja arte, bem como quais lugares em que ela pode acessar e sentir a arte em sua vida”, conta a psicóloga. “Ocupamos esse lugar de artistas com muita luta. Em alguns períodos da história, algumas mulheres escreviam [textos] e nem assinavam, ou escreviam com pseudônimos masculinos”, complementa.
Por isso, é essencial mulheres negras ocuparem cada vez mais espaços artísticos, consumindo ou fazendo arte. “A arte é lugar também de identidade e pertencimento, de encontros, descoberta de habilidades, potencialidades e criatividade. Para as mulheres, é importante consumir arte, mas também fazer arte e se conectar à arte de outras mulheres, para que possamos ter protagonismo e reconhecimento”, explica Letícia.
Ela também relembra as profundas conexões entre arte e ancestralidade negra. “Retomando Audre: ‘o lugar de poder da mulher dentro de cada uma de nós não é branco nem superfície; é escuro, é ancestral, é profundo’. Muitos de nossos ensinamentos foram apagados e acreditamos que, hoje, fazemos um resgate dessa história. Conhecer mais sobre nossa ancestralidade e negritude nos dá oportunidade de contar nossa história, deixá-la viver e honrar nossos ancestrais, que nos ensinaram que é importante ter cuidado e olhar de forma mais profunda para a nossa saúde mental”, complementa a profissional.
Dicas de autocuidado para mulheres negras
As rotinas do dia a dia, como se alimentar bem, dormir com qualidade e realizar pausas durante o trabalho são algumas medidas que podem contribuir para o autocuidado das mulheres negras, segundo a psicóloga Beatriz Andrade, como a leitura, atividades físicas e hobbies. Além disso, é importante refletir sobre si mesma.
“Olhar para si e compreender o que é bom para você mesma, o que gosta e deixou de fazer por algum motivo, e contemplar as coisas que serão pequenas na nossa vida”, explica Beatriz. O autocuidado coletivo também faz a diferença na vida de mulheres negras, de acordo com a psicóloga, que também fez parte da atividade realizada na Casa PretaHub.
“É importante ter uma rede de apoio para compartilhar dores e alegrias também. Mas, na ausência dessa rede, buscar coletivos no qual haja identificação para compartilhar sentimentos e trocas. A gente aprende muito entre mulheres e as rodas de conversa, rodas de samba e espaços culturais que promovam essas trocas e compartilhamento”, finaliza.
O Festival Feira Preta é um evento para a celebração da negritude e da ancestralidade, com uma série de atrações artísticas e culturais afrocentradas. Saiba mais sobre o evento e garanta a sua presença!